As recentes decisões do governo dos Estados Unidos contra o Brasil, em especial o tarifaço de 50% (prometido para ter início em 1º de agosto) e a abertura de uma investigação comercial, ainda têm impacto incerto, mas mostram uma tendência.
Na opinião de Renê Medrado, especialista em Direito do Comércio Internacional e sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados, medidas unilaterais como as do presidente Donald Trump devem se tornar mais frequentes na relação entre os países, o que vai contribuir para a fragmentação do comércio internacional.
Para Renê Medrado, complexidade de acordos exigirá especialização
Medrado avalia que essa fragmentação abrirá novas portas para o mercado jurídico. Segundo o advogado, a coexistência de múltiplos blocos econômicos, cada um com suas próprias regras, tende a tornar os acordos comerciais mais complexos. A navegação por esses acordos, portanto, vai exigir advogados que conheçam a governança das relações comerciais entre os países.
“Os grandes acordos, atualmente, são bem mais amplos do que o mero comércio. Eles tratam de investimento, propriedade intelectual, sustentabilidade, medidas sanitárias e barreiras técnicas, entre outros temas. Todos estes assuntos podem ter tratamentos específicos nos diferentes acordos, o que vai exigir um mercado jurídico mais especializado”, avaliou Medrado em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico.
Veja os principais trechos da entrevista:
ConJur — De que forma o mercado jurídico brasileiro pode ser influenciado por medidas econômicas como a elevação de tarifas dos EUA?
Renê Medrado — O efeito mais imediato é a incerteza, que pode inibir investimentos. Esta medida desencoraja o investidor estrangeiro, porque traz insegurança sobre as barreiras comerciais, e também o investidor brasileiro, que pode frear a capacidade produtiva por não saber se vai conseguir exportar da forma como pretendia. Em termos de atuação dos escritórios, isso pode aquecer a demanda de certas áreas. Quando aumenta a incerteza, cresce também a necessidade de consultar advogados justamente para verificar o impacto dessas novas medidas no ambiente de negócios.
ConJur — Que cenários estão mais visíveis para o futuro do comércio internacional?
René Medrado — O aumento das tarifas, assim como a abertura de uma investigação comercial sobre o Brasil, são medidas unilaterais. Isso me parece uma tendência: creio que teremos mais ações unilaterais impostas por diferentes países. Essas medidas unilaterais provocam contramedidas, desfazem parcerias e podem forçar a construção de novos acordos plurilaterais. Isso pode provocar a fragmentação do comércio internacional, que deverá estar cada vez mais dividido em múltiplos blocos e acordos, frequentemente justapostos uns aos outros.
ConJur — De que forma o comércio internacional ficará mais fragmentado?
Renê Medrado — Nós sabemos, por exemplo, que os EUA não têm interesse em fortalecer a Organização Mundial do Comércio (OMC). Mas muitos países ainda podem querer utilizar aquela estrutura de especialização no comércio, que tem inteligência e um secretariado muito bem preparado, para ajudar a elaborar ou administrar acordos plurilaterais, que tendem a aumentar. Isso leva à fragmentação do comércio: a coexistência de múltiplos blocos e múltiplos acordos com regras diferentes entre si.
ConJur — Que tipo de demanda isso deve provocar nos escritórios?
Renê Medrado — Para navegar por tantos blocos e acordos vai ser necessário ter gente que estude e conheça a governança do comércio internacional. Isso porque os grandes acordos, atualmente, são bem mais amplos do que o mero comércio. Eles tratam de investimento, propriedade intelectual, sustentabilidade, medidas sanitárias e barreiras técnicas, entre outros temas. Todos esses assuntos podem ter tratamentos específicos nos diferentes acordos, o que vai exigir um mercado jurídico mais especializado.
ConJur — A aproximação do Brasil com os países do BRICS deve alterar o cenário do comércio internacional? Se sim, quais devem ser as consequências?
Renê Medrado — Ainda não temos um acordo comercial entre os países do BRICS. Existe cooperação, mas ainda não existe integração econômica. Então ainda é um cenário bastante incerto. Além da resistência que já está enfrentando por parte dos EUA, o BRICS é um grupo assimétrico. Os países têm algumas semelhanças, mas têm muitas diferenças de desenvolvimento econômico, de tipos de produtos e de interesses. Uma integração econômica plena entre esses países não está no horizonte por enquanto.
ConJur — É possível projetar mudanças no mercado jurídico com base em uma possível reordenação das prioridades comerciais do Brasil?
Renê Medrado — Pode haver um rearranjo das cadeias globais. Já estamos vendo alguma separação das economias americana e chinesa e o fenômeno do decoupling — fragmentação das cadeias internacionais de produção e consumo.
Em paralelo a isso, Trump tem feito um esforço para levar investimentos e empresas para os EUA. Essas mudanças podem levar, sem dúvida, a fusões, aquisições, arranjos e vendas de ativos. Esses movimentos certamente terão consequências, mas ainda não é possível prever em detalhes.
ConJur — Logo após anunciar o tarifaço, Trump convidou empresários brasileiros a transferirem suas operações para os EUA. Isso pode influenciar o a atuação dos escritórios?
Renê Medrado — É possível. Nós já temos grupos brasileiros com presença importante no mercado americano, com bastante pujança econômica para diversificar investimento. Esses grupos podem ser beneficiados com eventuais programas de incentivo, que os levem a ampliar os investimentos lá. E aí pode haver espaço para o advogado brasileiro fazer o acompanhamento desse investimento, diretamente do Brasil ou em apoio aos escritórios americanos.
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