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Fintech & Crypto

Enfim, as regras do Banco Central sobre ativos virtuais

12 de novembro de 2025, 15h13

Após um longo período de espera, o Banco Central (BC) finalmente publicou as normas que vão regular os serviços de ativos virtuais no Brasil – Resoluções 519, 520 e 521/2025. Publicadas em 10/11/2025, estas são as regras definitivas que regulamentam a atuação das Prestadoras de Serviços de Ativos Virtuais (PSAVs) – corretoras, intermediárias e custodiantes de criptoativos. Elas resultam das consultas públicas abertas no fim de 2024 (CP 109, CP 110 e CP 111, as quais já tive a oportunidade de comentar anteriormente) e estabelecem tanto as regras gerais para a prestação desses serviços quanto os procedimentos de autorização das empresas e o tratamento específico dado às stablecoins, incluindo operações com criptoativos no mercado de câmbio.

Neste texto, analiso os principais aspectos dessas normas e suas implicações para o mercado brasileiro de criptoativos.

Do debate público à norma definitiva

As regras entram em vigor em 2/2/2026, com as normas de câmbio valendo a partir de 4/5/2026. As empresas existentes terão um período de adaptação que vai até novembro de 2026, o que representa uma janela de nove meses para adequação aos novos requisitos, especialmente em termos de governança, compliance e capitalização.

A partir de fevereiro, empresas que intermediam, custodiam ou negociam criptoativos para terceiros precisarão de autorização prévia do BC para operar, obtendo a licença de PSAV.

Capital mínimo: a opção pela robustez e seus disruptivos efeitos

Um dos pontos de destaque é o valor mínimo de patrimônio líquido exigido para as prestadoras de serviços de ativos virtuais, ditado pela Resolução Conjunta CMN/BC nº 14/2025, ficando entre R$ 10,8 milhões e R$ 37,2 milhões, dependendo da atividade. O valor é muito superior ao que foi sugerido nas consultas públicas (e que consta das normas publicadas), que propunham uma faixa de R$ 1 milhão a R$ 3 milhões.

É um montante alto se comparado ao que foi pedido das primeiras fintechs no Brasil e significativamente superior ao de outras jurisdições. A União Europeia, por exemplo, exige entre € 50 mil e € 150 mil segundo a MiCA. Isso revela que o BC enxerga um risco maior nesse setor, sobretudo após casos recentes como a operação carbono oculto e outros episódios que mostraram vulnerabilidades de fintechs e instituições de pagamento na prevenção à lavagem de dinheiro.

Segregação patrimonial e proteção ao investidor

Além dos requisitos de capital, as normas tornam obrigatória a separação entre o patrimônio da empresa e os ativos dos clientes, sejam eles criptoativos ou recursos em reais, por meio de contas de depósito ou pagamento individualizadas em nome dos clientes, uma medida fundamental para aumentar a confiança e a proteção ao consumidor. Trata-se de um avanço para o setor, evitando que os recursos dos investidores sejam confundidos com o capital de giro ou investimentos das próprias plataformas.

Spacca

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As normas também fortalecem o combate a crimes financeiros, exigindo identificação de clientes (KYC), monitoramento de transações e reporte ao Coaf. Somadas às exigências de governança, transparência e segurança cibernética, essas medidas trazem clareza, previsibilidade e institucionalizam o setor, integrando-o ao sistema financeiro supervisionado e colocando o Brasil alinhado às melhores práticas globais, como as recomendações do Gafi.

Stablecoins

Operações com stablecoins, especialmente as pareadas a moedas fiduciárias como o dólar, e transferências internacionais de criptoativos passam a ser enquadradas no mercado de câmbio, exigindo reporte das operações ao BC. Ao enquadrar stablecoins como câmbio, o BC abre o caminho para uma futura cobrança de IOF, o que pode tornar essas operações significativamente mais onerosas para investidores brasileiros.

O BC recuou da proibição à autocustódia de stablecoins que constava na consulta pública, após críticas do mercado. Contudo, PSAVs serão obrigadas a identificar os titulares das carteiras de autocustódia para onde enviam recursos, acabando com as transferências anônimas para carteiras privadas. Essa exigência é vista como um trade-off polêmico: fortalece a prevenção à lavagem de dinheiro, mas afeta a privacidade dos investidores e colide com um dos princípios fundacionais dos criptoativos.

Consolidação de mercado e novos modelos de negócio

Como o BC estabeleceu uma régua alta – não só em termos de patrimônio líquido, mas também de compliance, governança, tecnologia e supervisão –, é provável que o mercado passe por um processo de consolidação. O custo elevado de operação deve “filtrar” o mercado, favorecendo grandes bancos ou players já estabelecidos e dificultando a sobrevivência de fintechs e empresas menores. Empresas maiores tendem a comprar as menores, e também pode surgir um modelo semelhante ao de Banking as a Service, em que prestadores regulados oferecem sua estrutura para que outras marcas continuem operando plataformas de negociação de ativos virtuais. Seria uma espécie de “PSAV as a Service”, próximo ao que o mercado financeiro conhece como Introducing Broker.

Por outro lado, a clareza regulatória é vista como fundamental para destravar o investimento de fundos de investimento, fundos de pensão e outros players institucionais, que até então mantinham-se afastados deste mercado por ausência de marco regulatório robusto. Esse é um dos principais pontos positivos da regulamentação: ao trazer previsibilidade, ela pode abrir as portas para volumes significativamente maiores de capital institucional.

Desafios para exchanges estrangeiras

Exchanges estrangeiras podem repensar seus planos de atuar no Brasil, já que as novas regras impõem barreiras regulatórias significativas. Exchanges internacionais só poderão atender clientes brasileiros se constituírem uma operação local com sede física e obtiverem licença do BC. O uso de escritórios virtuais ou coworkings foi expressamente proibido. Se não se adaptarem, deverão encerrar as atividades no país.

Uma alternativa pode ser a parceria com exchanges nacionais, que passariam a atuar como representantes locais para viabilizar a oferta de serviços a investidores brasileiros. Esse modelo pode ser atraente para players internacionais que desejam exposição ao mercado brasileiro sem arcar com todos os custos de estruturação local, mas dependerá da capacidade das PSAVs nacionais de oferecer soluções white-label ou de integração tecnológica suficientemente robustas.

Considerações finais

A regulamentação das PSAVs representa um marco importante para a maturação do mercado brasileiro de criptoativos. As normas trazem segurança jurídica, proteção ao investidor e alinhamento com padrões internacionais. No entanto, a opção por requisitos de capital significativamente mais elevados do que outras jurisdições revela uma escolha regulatória que privilegia a estabilidade sobre a competitividade e a inovação descentralizada. O tempo dirá se essa escolha foi acertada ou se criou barreiras excessivas que limitarão o desenvolvimento do setor no Brasil.

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Isac Costa

é sócio de Warde Advogados, professor do Ibmec, do Insper e da LegalBlocks, doutor (USP), mestre (FGV) e bacharel (USP) em Direito, engenheiro de Computação (ITA) e ex-analista da CVM, onde também atuou como assessor do colegiado.

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