A Lei nº 14.133/2021 estabelece normas gerais sobre licitação e contratação para todas as administrações públicas no Brasil (União, estados, Distrito Federal e municípios), conforme a competência privativa da União prevista no artigo 22, XXVII, da Constituição.

Embora a União estabeleça as linhas mestras, compete aos estados, ao Distrito Federal e, principalmente, aos municípios exercer a competência legislativa suplementar (artigo 24, § 2º, da CF) e o poder regulamentar (decretos, portarias, instruções normativas) para detalhar e adaptar a lei à sua realidade administrativa e orçamentária.
Assim, o sucesso de sua aplicação depende intrinsecamente do poder regulamentar outorgado aos entes federativos, um mecanismo essencial para harmonizar a norma geral federal com as peculiaridades de cada esfera de governo.
Ato conseguinte, o Prejulgado nº 2.539/2025, emitido pelo Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (TCE-SC), trouxe segurança jurídica e novas possibilidades acerca da aplicação e da regulamentação da ordem cronológica de pagamentos.
Proveniente de uma consulta da Prefeitura Municipal de São Joaquim, a Decisão nº 1258/2025 uniformiza o entendimento da Corte sobre a estrita observância da ordem cronológica de pagamentos, conforme previsto no artigo 141 da legislação federal, alinhando a teoria contábil-orçamentária à prática da execução contratual.
Organização da fila de pagamentos
A essência do prejulgado reside na definição clara dos parâmetros para a organização da fila de pagamentos. Em primeiro lugar, estabelece que o marco inicial para a observância da ordem cronológica, como regra, é a data de liquidação da despesa, em consonância com o que dispõe o artigo 63 da Lei Federal nº 4.320/1964.
Este ponto é crucial, pois a liquidação — momento em que a administração atesta que o objeto do contrato foi entregue ou o serviço foi prestado, e que o credor tem o direito de receber — formaliza a exigibilidade da obrigação, retirando o subjetivismo que poderia advir da data de emissão da nota fiscal ou do ateste.
Nos termos da Lei nº 4.320/1964, em seu artigo 63, que define as etapas da despesa pública em empenho, liquidação e pagamento, a liquidação é a segunda fase e representa o momento em que a Administração Pública verifica o direito adquirido do credor, atestando que o objeto contratual (bem ou serviço) foi entregue ou prestado em conformidade com o contrato. É o ato que torna a obrigação exigível.

Em segundo lugar, a decisão consolida o entendimento de que a ordem cronológica deve ser obrigatoriamente segmentada, o que viabiliza a existência de ordens cronológicas paralelas. Essa segregação deve ocorrer em dois níveis: por fonte diferenciada de recursos e, dentro de cada fonte, por categoria contratual.
As categorias são taxativamente as previstas no artigo 141 do novo estatuto, ou seja: fornecimento de bens, locações, prestação de serviços e realização de obras. A distinção entre fontes e categorias permite que uma despesa com recursos vinculados, por exemplo, possa ser paga antes de outra despesa que pertença a fonte ou categoria distinta, sem que isso configure uma quebra da ordem cronológica.
Essa flexibilização, embora rígida em sua estruturação, confere racionalidade à gestão financeira, permitindo o pagamento prioritário de contratos financiados por fontes específicas ou de serviços essenciais, desde que a segregação seja respeitada.
A disciplina é extraída diretamente da lei, que é citada com precisão pelo prejulgado, ao determinar: “No dever de pagamento pela administração, será observada a ordem cronológica para cada fonte diferenciada de recursos, subdividida nas seguintes categorias de contratos: I – fornecimento de bens; II – locações; III – prestação de serviços; IV – realização de obras.” (artigo 141, caput, da Lei nº 14.133/2021).
Critério complementar para organizar pagamentos
O Tribunal de Contas catarinense reconhece, ainda, a possibilidade de que o ente federativo adote um critério complementar para a organização da ordem, como a data de vencimento da obrigação, desde que tal critério esteja formalmente registrado e não viole os princípios da legalidade, rastreabilidade e controle. Essa ressalva abre uma pequena margem para a regulamentação local, garantindo que a rotina administrativa possa se adequar, desde que o arcabouço de controle seja mantido.
Apesar da fixação da liquidação da despesa como critério para inclusão na ordem cronológica previsto no artigo 63 da Lei nº 4.320/1964 parecer suficiente, o fato é que a lei não estabelece um prazo para que a despesa seja liquidada pelo órgão, atraindo um critério de subjetivismo e insegurança jurídica que a quebra de ordem cronológica tenta combater.
O artigo 92, inciso VII da Lei nº 14.133/2021 exige que os instrumentos contratuais prevejam expressamente o prazo para liquidação da despesa, a maioria dos contratos administrativos não possuem tal previsão – o que inclusive pode ser objeto de impugnação — deixando o fornecedor à mercê do órgão para liquidação da despesa e inclusão na ordem cronológica.
Em contrapartida, a União editou a Instrução Normativa Seges/ME Nº 77/2022, aplicável somente no seu âmbito de atuação, que estabelece em seu artigo 7º, inciso I, o prazo de dez dias úteis para a liquidação da despesa, a contar do recebimento da nota fiscal ou instrumento de cobrança equivalente pela Administração. Tal regulamentação reforça a possibilidade de regulamentar o tema, de modo que o Prejulgado nº 2.539/2025 traz maior segurança jurídica para essa possibilidade, prevendo ainda, como já ressaltado, a possibilidade de adoção de um critério complementar para a organização da ordem.
O prejulgado também reforça a excepcionalidade da alteração da ordem, reiterando o rol taxativo de exceções do artigo 141, § 1º. A quebra da ordem é admitida somente nas situações elencadas na lei — como grave perturbação da ordem, calamidade pública ou pagamento de serviços imprescindíveis à continuidade da missão institucional. Para que seja válida, essa alteração exige o cumprimento de formalidades rigorosas: prévia justificativa da autoridade competente e posterior comunicação ao órgão de controle interno e ao Tribunal de Contas.
Em conclusão, apesar de pouco discutida e por vezes pouco respeitada, a ordem cronológica de pagamentos é vital para a segurança jurídica dos fornecedores e para evitar os desmandos improbos de agentes públicos, sendo vital para a sua clareza o debate acerca do descumprimento reiterado da inclusão de prazo para liquidação de despesa nos contratos, tornando o critério de inclusão da despesa na ordem cronológica de pagamentos subjetivo, bem como a possibilidade de regulamentação de critérios complementares de inclusão dos pagamentos na ordem cronológica como forma de fazer cumprir o caráter objetivo essencial da ordem de pagamentos.
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