
“AirBnB: acomodações, experiências, serviços.” A campanha da empresa AirBnB [1] destaca como diferenciação do seu serviço a possibilidade de proporcionar uma experiência turística ao largo do turismo padronizado: um fator emotivo que promete colocar em seus produtos (acomodações) e serviços (reserva e filtro de acomodações) a experiência como elemento à parte. No slogan, esse terceiro elemento, destacado dos demais, identifica na publicidade a experiência dos seus consumidores.
A partir daí, é possível constatar uma hipótese: a experiência se torna um fator autônomo da oferta, ao lado de produtos e serviços. E não apenas um simples slogan atrativo, mas uma variável no próprio desenho de negócio da empresa.
A “experiência” em si – principal, não acessória – é uma característica hoje presente em alguns serviços que a colocam como um fator de atração do consumidor e de diversificação do serviço: torna-se o destaque da oferta e um motivo de acréscimo de preço. Ao invés de simplesmente vender um produto ou serviço, as empresas agora se modelam para vender uma vivência completa para seus consumidores. A qualidade e o preço do produto ou serviço já não são os únicos fatores decisivos de aquisição: eis um reflexo do que se entende por “economia da experiência”.
Este conceito do marketing, de B. Joseph Pine II e James H. Gilmore em 1999 [2], veio da constatação da evolução da economia de commodities (bens brutos) para bens (produtos manufaturados), depois para serviços e, finalmente, para a experiência. A experiência, tida como algo etéreo e subjetivo, é a culminação da economia em mercados conformes à Revolução Industrial 4.0, Big Techs e Big Data.
Pode-se dizer que hoje esta teoria ganha proeminência frente à supervalorização do fator “experiência” no mercado, tanto mais pelo novo aspecto comportamental-cultural dos consumidores, em que se destaca a ideia de escassez e o constante embate entre sustentabilidade e inovação [3].
Pesquisas recentes [4] demonstram que a maioria dos consumidores norte-americanos considera a experiência do cliente mais importante que o preço e a qualidade do produto. Nesse sentido, hoje, um jantar composto por comidas e bebidas comuns (sem quaisquer ingredientes ou preparo exclusivos), num lugar comum ao público (sem acesso exclusivo ou dificultoso), porém servido de uma forma diferente: a 50 metros de altura do solo [5], é atrativo tão somente pela “experiência” proporcionada. E há outros exemplos nesse sentido.
A teoria da “economia da experiência” se materializou na economia brasileira nos últimos anos, em diferentes segmentos, nos quais o fator emotivo – expresso na experiência – é o de maior relevo. Os principais setores envolvidos são:

– Turismo e aviação: a experiência é o principal atrativo, pelo lazer proporcionado. Atrasos e cancelamentos de voos, hotéis e hospedagens divergentes das fotos, pacotes de viagem com roteiros mal planejados ou guias desqualificados são causas frequentes de transtorno ou quebra da expectativa.
– Entretenimento e eventos: shows, festivais, eventos esportivos e eventos em geral qualificam a experiência envolvida; se o local do evento não oferece a infraestrutura prometida, se o artista não se apresenta ou performa de maneira distante da esperada, ou se a qualidade do curso é inferior ao que foi anunciado.
– Serviços de alimentação: a “experiência gastronômica” é um conceito que eleva o restaurante de um simples fornecedor de comida a um ambiente social e cultural complexo, ligando-se à demora excessiva, atendimento rude, ambiente insalubre ou pratos que não correspondem à descrição do menu.
– Serviços estéticos: clínicas de estética, spas, day-use e salões de beleza oferecem condições de se criar um relaxamento, autoestima e cuidado extras para seus usuários, muito além dos benefícios de saúde e melhora do metabolismo.
– Cursos e mentorias: o setor de educação compreende não apenas o conteúdo das “aulas”, mas a catarse ou vislumbre que estes eventos potencialmente podem fornecer, muito além da especialização profissional ou pessoal.
Aspecto emocional e o dano moral
O Direito do Consumidor sempre teve o fator emocional ligado ao fenômeno do consumo, como qualidade da sociedade de massificação que manifesta em si os apelos emocionais que os produtos e serviços [6].
No entanto, a economia da experiência dá outro destaque para o fator emocional. Nota-se a autonomia do fator emocional – característico da experiência – para rever os fundamentos da relação de consumo e as suas consequências jurídicas, considerando que o paradigma atual não dá conta dessa superposição da experiência.
Muito mais do que uma variável da equação do fenômeno do consumo, a emoção se torna o aspecto distintivo do próprio produto ou serviço. Não se trata de estratégia de sedução ou convencimento, mas a própria essência do produto ou do serviço.
A problematização surge quando se constata a extrema dificuldade com que o fator emocional é mensurado ou identificado por critérios objetivos, essenciais para a absorção do tema pelo direito do consumidor [7].
O que é passível de abrigo para esta problematização consta nos artigos 3º §§ 1º e 2º (produtos e serviços) e artigo 31 (oferta) do CDC. A oferta naturalmente envolve a economia da experiência, como meio de satisfazer o direito básico de informação do artigo 6º, III do CDC em conjunto com o artigo 31. Assim, a experiência é um elemento tangível da oferta que cria direitos e obrigações: quando a empresa vende uma “experiência”, ela assume o dever de entregar exatamente o que prometeu.
Nessa linha, o Judiciário tem consolidado o entendimento de que a publicidade vincula o fornecedor, no caso desta oferecer uma experiência de “conforto” ou “exclusividade” que não é entregue. Como consequência, ao violar a esfera emocional e psíquica, cria-se o direito ao dano moral.
Na mesma toada, pode-se identificar também o dano moral por falha na prestação do serviço, principalmente por meio da teoria do desvio produtivo do consumidor.
No que se refere ao conceito de serviço, é necessário um esforço interpretativo para abarcar a experiência para efeitos do CDC. Isso ocorre no momento em que a experiência deixa de ser um mero diferencial e se torna a própria finalidade do contrato, de modo que a culminação da experiência só poderá ser garantida com a prestação da atividade, como prestação pelo fornecedor, e não com a aquisição de um bem.
Sem prejuízo de outras discussões nesse sentido, verifica-se que o fator de experiência nos serviços do Direito do Consumidor é uma tarefa dificultosa. A descrição dos serviços não traz este fator de modo expresso, sem que, contudo, algum problema a ele relacionado envolva os princípios já existentes em nosso ordenamento.
Expansão da teoria consumerista
Ao inserir a experiência no conceito de serviço, valorando o fator emocional de quem o usufrui, é inevitável pesquisar o elemento volitivo de quem os fornece. Logo, o espectro em jogo possivelmente se encontra nas hipóteses de responsabilidade civil subjetiva.
Logo, o espectro em jogo está na responsabilidade civil subjetiva. Urge colocar em jogo uma concepção expansiva da relação de consumo, por meio da intitulada “teoria expansiva do consumo”.
Para isso, se propõe aderir ao conceito de serviço do CDC um aspecto emocional, de forma autônoma, trazendo em contrapartida uma nova hipótese de responsabilidade subjetiva para os desvios que comprometam a oferta e prestação destes serviços, exclusivamente no que se refere à experiência prometida e não alcançada. Trata-se da uma teoria expansionista da relação de consumo, passível de abrigar o fenômeno da economia de experiência pelo Direito do Consumidor.
São proposições no sentido de expandir a teoria consumerista para ir ao encontro de uma nova realidade de mercado, que possivelmente está solapada por visões jurídicas mais tradicionais para o fenômeno do consumo.
Ao largo destas ideias, é possível encontrar uma norma base para a evolução da recepção da teoria da Economia da Experiência na diretriz da Política Nacional das relações de consumo do Artigo 4º, VIII do CDC, como porta de entrada para as inovações deste tipo no CDC.
Nesse sentido, uma inovação e inventividade na ciência jurídica nos dá a liberdade de criar uma visão para a problemática da Economia da Experiência, frente ao Direito do Consumidor.
[1] Veiculada na rede aberta de televisão em outubro de 2025. Confira aqui e aqui
[2] PINE II, Joseph B.; GLMORE, James H. The Experience Economy: Work Is Theatre & Every Business a Stage. Boston: Harvard Business School Press, 1999, Capítulo 1.
[3] Cf. MELLO, Bruno. Geração Z prioriza gastos com experiências momentâneas. Mundo do Marketing. Publicado em 22/04/20524. Disponível aqui.
[4] SUER OFFICE. 32 Customer experience statistics you need to know for 2025. Publicado em 25/04/2025. Disponível aqui.
[5] Trata-se do “dinner in the Sky”. Cf. Aqui.
[6] Já que a compra “é orientada pela sedução, por desejos sempre crescentes e voláteis” Cf. BAUMAN, Zygmunt. BAUMAN, Zygmunt. Vida líquida, 2ª ed., Rio de Janeiro: Zahar, 2007, ps. 37,38,39,89,90 (Apud RODRIGUES, Alexandre Peres; BARONOVSKY, Thayná. O METAVERSO COMO EXPRESSÃO DA SOCIEDADE LÍQUIDA: UM OLHAR DE BAUMAN SOBRE REALIDADES VIRTUAIS. In: Revista de Direito Público da Procuradoria-Geral do Município de Londrina, v. 11 n. 1, 2022.
[7] Nesse ponto, o raciocínio se baseia na natureza cogente das regras de direito do consumidor – como de ordem pública e interesse social pelo Artigo 1º do CDC – analisada em face da sua natureza prescritiva, segundo as lições do Professor Tércio de Sampaio Ferraz Junior: Cf. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão, Dominação. São Paulo: Atlas, 2003, p. 77.
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