No cenário político brasileiro o debate público frequentemente se concentra em temas polêmicos de pouca relevância estratégica. Assuntos fundamentais para o desenvolvimento nacional e a soberania, como é a ciência, tecnologia e inovação, recebem pouca ou nenhuma atenção. A soberania tecnológica é a base da indústria e a indústria é a base da soberania nacional.

Mas há quem se ocupe da pesquisa científica e inovação. Este colunista acompanhou os debates na Comissão de Ciência, Tecnologia e Inovação, nos últimos dias 4 e 5 de novembro, no contexto da Subcomissão Especial dos Entraves na Pesquisa Científica no Brasil (CCTI/Subepc), presidida pelo deputado Vitor Lippi (PSDB-SP), criada para identificar os problemas burocráticos que afetam a atividade de pesquisa e cujo plano de trabalho inclui audiências públicas, visitas técnicas e reuniões para diagnosticar e propor soluções.
Na presidência da subcomissão, o deputado Vitor Lippi conduz um esforço parlamentar baseado na consciência de que, nas palavras dele, “ciência, tecnologia e inovação são o passaporte do futuro” e “pilares essenciais dos países que mais se desenvolveram, que mais prosperaram, que mais conseguiram alcançar desenvolvimento econômico e social”.
No dia 4 de novembro, a audiência pública “Simplifica Ciência: Academia e Setor Produtivo — Desafios e Propostas para o Fortalecimento da Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil”, ouviu Álvaro Toubes Prata, diretor-presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), Francilene Procópio Garcia, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Lisandro Zambenedetti Granville, diretor-geral da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP) e Débora Leite Silvano, diretora de Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Instituto Federal de Brasília (IFB).
No conjunto, os debates diagnosticaram:
– a burocracia, a insegurança jurídica e a falta de previsibilidade no financiamento como os principais entraves ao desenvolvimento da pesquisa e inovação no Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia.
– a necessidade de reformulação do modelo de prestação de contas, com vistas a uma abordagem baseada em risco e custo-benefício, ao invés de apenas notas fiscais, bem como a criação de um sistema nacional de governança para simplificação e a normatização do conceito de Instituição Científica e Tecnológica (ICT), hoje fundada na autodeclaração.
– a insegurança jurídica e a multiplicidade de instrumentos legais, a criminalização de gestores e pesquisadores devido à interpretação inconsistente das normas, sendo necessário a implementação de um “sandbox regulatório” [1] para áreas prioritárias
– a ineficiência na distribuição de recursos e o tempo excessivo que pesquisadores obrigam-se a dedicar à burocracia, desviando-os de suas funções e dificultando o avanço científico;
– a prioridade histórica do ensino sobre a pesquisa nos institutos federais, a alta carga horária de professores, a falta de doutores e de apoio técnico, assim como a desigualdade regional no fomento e a carência de infraestrutura e modernização de laboratórios.
Mas o Brasil possui capacidade para ter autonomia tecnológica, como defendeu a ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, em sua participação na CCTI em 5 de novembr:
“O Brasil tem inteligência, expertise e capacidade para ter autonomia tecnológica, para ter domínio tecnológico. O que nós precisamos é de investimentos, de decisão política arrojada.”
Ela destacou a importância do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), criado em 1969 e fortalecido por fundos setoriais (petróleo, gás, transporte, recursos hídricos), que não sofreu contingenciamentos em governos anteriores e foi defendido pelo Congresso:
“Esta Casa, diante dos cortes que houve no FNDCT, aprovou uma lei que o transformou em um fundo financeiro. A partir disso, foi possível evitar os contingenciamentos, dando-lhe uma condição jurídica que impediu a retenção de recursos — algo que, por muito tempo, aconteceu no nosso país.”
O veto presidencial e medida provisória que visava contingenciar o Fundo até 2026 foram enfrentados pelo Congresso, que derrubou o veto e, em 2023, aprovou um Projeto de Lei do Congresso Nacional (PLN) de abertura de crédito suplementar, garantindo a recomposição integral do FNDCT. Os investimentos subiram de R$ 10 bilhões no primeiro ano para R$ 14,7 bilhões em 2025, cobrindo programas de inteligência artificial. Mas, claro, ainda é pouco, muito pouco, como mostra a experiência internacional.
Pesquisa científica no contexto atual do presidencialismo de coalizão
A configuração atual do presidencialismo de coalizão dota o Congresso de inaudita capacidade de mobilizar recursos. Parlamentares podem direcionar milhões por meio de emendas individuais, as comissões permanentes têm acesso a centenas de milhões, e o relator do orçamento, a outras centenas.
Contudo, essa proeminência do Parlamento na alocação orçamentária acarreta o risco de pulverização dos recursos. A distribuição de verbas através de emendas parlamentares, no mais das vezes vinculadas a interesses paroquiais ou regionais, impede a concentração de investimentos em projetos estratégicos de grande porte e impacto nacional para a ciência, tecnologia e inovação.
No entanto, o desenvolvimento do país depende de um equilíbrio institucional que permita a efetiva concentração de recursos em projetos estratégicos, evitando a pulverização e garantindo a autonomia necessária para o planejamento de longo prazo da ciência brasileira. Dado o estado da arte do presidencialismo de coalizão (que por vezes mais se assemelha ao um presidencialismo de colisão), a busca da nossa soberania tecnológica depende da capacidade de o Congresso priorizar o conhecimento, superando debates transitórios e disputas vãs, centradas em agendas estranhas ao destino nacional, para abraçar com responsabilidade o projeto de uma nação impulsionada pela inovação para o desenvolvimento da indústria.
A iniciativa da Comissão de Ciência, Tecnologia e Inovacão da Câmara dos Deputados, no contexto das atividades da Subcomissão Especial dos Entraves na Pesquisa Científica no Brasil (CCTI/Subepc), é um bom sinal. Veremos que resultados concretos trará.
Quem viver verá.
[1] Sandbox regulatório é um ambiente controlado criado permitir que empresas ou empreendedores testem novos produtos, serviços ou modelos de negócio inovadores, de forma temporária e com certas flexibilizações ou isenções regulatórias. A ideia é que a inovação não seja imediatamente sufocada pela regulamentação que não foi criada para estimular as novas tecnologias.
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