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Opinião

Regulação: longe dos cidadãos e perto das mesas?

19 de novembro de 2025, 18h29

À medida que a sociedade foi evoluindo, nasceram normas cuja natureza fundamental  é a melhoria da dinâmica social, da segurança e da isonomia. Essas normas padronizam procedimentos e exigem um maior controle de qualidade nos serviços ofertados ao cidadão comum e às empresas.

A despeito do importante papel que esses entes exercem, a economia sofre o revés de uma confusão conceitual na regulação: a burocracia. Pelos “excessos” no  controle, a burocracia afasta a regulação do conceito de sistema de execução de atividades e fica ainda mais longe da realidade produtiva.

Nos casos concretos, normas reguladoras engessadas e pensadas somente para atender à burocracia, em vez de quem está em ação, inviabilizam negócios e retardam soluções essenciais — de habitação, saúde, serviço, entre outros. Há agências governamentais que tratam de absolutamente todo o produto ou serviço utilizado em sociedade, desde o controle de produção de um bem essencial a outros de caráter menos relevante.

Apesar de toda a norma, o que se observa é uma administração econômica dos eventos de produção e não uma política consciencial de procedimentos para melhorar a qualidade dos serviços prestados e dos produtos oferecidos.

A burocracia gerada por certas regulações  transforma-se no estereótipo e acaba por se tornar sinônimo de ineficiência, afetando o desenvolvimento dos pequenos e médios empresários. E faz mais:  fomenta a desigualdade competitiva, colocando o grande empresário como aquele que “pode pagar o preço” da desobediência.

Vemos esse exemplo bastante nítido na indústria automotiva. Pensemos num determinado recall. Sabemos bem que, via de regra, a convocação de clientes a devolverem produtos não é decidida com base num potencial defeito ou subsequente dano causado por uma falha numa determinada linha de montagem, mas sim nos prejuízos financeiros advindos de futuras indemnizações. Neste contexto, a norma que tem como objetivo prevenir e impor uma produção de qualidade, acaba por servir de elemento definidor de quem pode ou não competir.

Regulação requer visão holística

Quando examinamos o setor de telecomunicações europeu, temos um exemplo dos mais emblemáticos, desta vez aliado à falta de cultura da judicialização, que é comum na Europa. As teles permanecem com cláusulas abusivas durante anos, com prejuízos causados aos consumidores na esfera de bilhões, em escala exponencial. Entretanto, pela ausência de controle judicial efetivo, o benefício das agências de regulação acabam por não surtir efeito direto no cotidiano da população usuária.

Spacca

Spacca

O consumidor não se motiva a judicializar, por exemplo uma cobrança indevida de 50 euros, ainda que sua rotina seja fortemente impactada por cartas ameaçadoras, ligações diárias, inclusive nos fins de semana, porque, no entender geral, o processo ocupa tempo e a repercussão é mínima — não chegando, na maioria dos casos, sequer a uma indemnização de 1.000 euros.

Em contrapartida, o ente incomodativo repete a conduta milhares de vezes sem sofrer qualquer arranho no próprio orçamento, já que a punição da conduta não oferece punição nem pedagogia.

Em países como o Brasil e os Estados Unidos, a judicialização da má conduta é prática, sem que esse modo de agir possa ser identificado como enriquecimento sem causa. Ao contrário, quando a quantidade de demandas acaba por forçar a um ajuste de conduta pelas prestadoras de serviços, auxilia as agências nos medidores de qualidade do serviço.

A conscientização do melhor agir, em todas as relações comerciais na sociedade, precisa ser incentivada muito mais pela ótica do benefício ao usuário diretamente do que pelo “multar” e definir normas, papel este desempenhado nas agências.

Regular é uma necessidade, mas nunca sem conversar com os stakeholders do processo, e, mais ainda, sempre com visão holística de todos os setores indiretos afetados pela norma produzida. No fim, as agências devem montar o cenário encaixando as peças de toda a sociedade. Longe das mesas e próximas dos cidadãos.

Priscila S. Nazareth Ferreira

é sócia e diretora jurídica do Nazareth Ferreira & Fontana Advogados, CEO da assessoria jurídica Na Real Europa, membro da Comissão Internacional de Direito Imobiliário e presidente da Comissão Direito Administrativo do Instituto Brasileiro de Direito Estrangeiro e Comparado (Ibdesc). Atuou na Defensoria Pública e no Ministério Público do Brasil.

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