O tema que envolve instauração de dissídio coletivo parece estar sempre dividindo a doutrina entre aqueles que sustentam a preservação do poder normativo da Justiça do Trabalho como forma de proteção dos trabalhadores e aqueles que consideram que a Emenda 45 encerrou o poder normativo e que as negociações coletivas de trabalho devem prevalecer, livres e autônomas, como forma de avanço e de conquistas de melhores condições de trabalho.
O debate retornou em 17/11 com a notícia, no site do Tribunal Superior do Trabalho, de que a corte aprovou, por maioria, a tese jurídica nos seguintes termos:
“A recusa arbitrária da entidade sindical patronal ou de qualquer integrante da categoria econômica em participar de processos de negociação coletiva, evidenciada pela ausência reiterada às reuniões convocadas ou pelo abandono imotivado das tratativas, viola a boa-fé objetiva e as Convenções 98 e 154 da OIT, tendo a mesma consequência do comum acordo para a instauração do dissídio coletivo de natureza econômica.”
O Supremo Tribunal Federal já havia enfrentado a discussão do comum acordo para a instauração de dissídio coletivo, previsto no artigo 114, §2º, da Constituição, alterado pela Emenda Constitucional 45/2004 e fixou, no Tema 841, sua constitucionalidade a exigir a necessidade de comum acordo entre as partes como requisito para o ajuizamento de dissídio coletivo de natureza econômica.
Segundo a interpretação da Corte Constitucional, sem comum acordo não pode haver ajuizamento de dissídio coletivo, implicando a necessidade de que as negociações sejam feitas à margem dos tribunais trabalhistas, fato que, com obviedade natural, a ocorrência de impasse nas negociações pode justificar a greve com paralisação das atividades pelos trabalhadores, seguindo-se, dessa forma, o rito das negociações e suas consequências.
Os sindicatos, com raras exceções, enfrentam uma dificuldade nos tempos atuais que diz respeito à comprovação de sua legitimidade e da aderência dos trabalhadores às propostas paredistas que poderiam servir de resistência à intransigência patronal a reajustes de salários.

Talvez esse seja o ponto de extrema relevância a ser enfrentado nessa discussão: não se trata de oposição à negociação, mas de recusa de submeter ao tribunal a arbitragem judicial de índices de reajuste salarial uma vez que as negociações sobre cláusulas sociais, em geral repetitivas, já foram efetivadas, razão pela qual a decisão em comento se refere à instauração de dissídio coletivo de natureza econômica.
Por esse motivo, talvez, que o texto se refere à caracterização da violação da boa-fé objetiva “pela ausência reiterada às reuniões convocadas ou pelo abandono imotivado das tratativas”. A ausência às reuniões ou abandono das tratativas em certas ocasiões são fruto das condições precárias do setor econômico ou mesmo da empresa.
Desse modo, a recusa de submeter questões econômicas a julgamento dos tribunais não pareceria arbitrária porquanto refere-se à gestão do negócio, envolvendo condições de sobrevivência da empresa e, em especial, da permanência dos empregos e preservação dos postos de trabalho.
Tese é socorrista
Com essa decisão, o Tribunal Superior do Trabalho pretende que a Justiça do Trabalho, por meio dos tribunais trabalhistas, assuma a imposição de um protagonismo normativo que não lhe caberia. Em outras palavras, o tratamento facultativo disposto no artigo 114, §2º, da Constituição, passaria a ser obrigatório e esbarraria na inconstitucionalidade da determinação.
Ao contrário do que pretende com essa orientação, a Corte Superior poderia estar estimulando a sobrevivência de sindicatos frágeis quanto à adesão de trabalhadores e, portanto, sem legitimidade capaz de levar uma negociação às últimas consequências. Melhor seria que pudesse estimular a necessidade de uma composição negocial, agregando outras cláusulas de natureza social e que poderiam servir de novas conquistas, muitas vezes mais relevantes do que um reajuste de salário.
De outro lado, pelas manifestações colhidas, parece que houve dificuldade em definir o momento em que se caracteriza a violação da boa-fé objetiva: seria no momento do pedido de exercício da jurisdição? ou na possibilidade de levar os trabalhadores a uma greve sem êxito em razão da ausência de expressão sindical? ou durante todo o processo de negociação anterior ao impasse que provocaria a busca da mediação judicial? ou, ainda, no abandono das tratativas?
O resultado dessa orientação poderia ser contrário à proteção que pretende dar a Corte Trabalhista que, embora se refira à uniformização da interpretação sobre o tema, apresentou importantes divergências entre os pares daquela corte, cujo fundamento essencial é o respeito ao disposto na Constituição.
A tese aprovada é socorrista e incentiva, a nosso ver e com todo respeito, contra a Constituição Federal, a judicialização de conflitos coletivos, desestimulando as negociações coletivas.
Em conflito coletivo de trabalho, a pior solução é aquela oriunda de decisão judicial, porque resolve o processo, mas não resolve o conflito que sobrevive à decisão e com as dificuldades econômicas suportadas pelas empresas.
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