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TJ-SP mantém condenação de trio que lesou artista plástico em R$ 1,4 mi

20 de novembro de 2025, 19h51

Vítimas de um megaestelionato que os lesou em R$ 1,4 milhão, um artista plástico e a sua mulher devem ser indenizados integralmente. A decisão é da 11ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, que deu provimento ao recurso de apelação do casal a fim de que ele seja ressarcido pelo trio condenado por enganá-lo, nos termos do artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal (CPP).

Estelionatários mentiram sobre exposição de pinturas no exterior
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Estelionatários mentiram sobre exposição de pinturas no exterior

A decisão do colegiado foi unânime. O acórdão também negou provimento aos recursos dos réus, que pleitearam a reforma da sentença para absolvê-los por insuficiência de provas ou, ao menos, reduzir a pena por estelionato. Os acusados (dois homens e uma mulher) foram condenados a três anos de reclusão, em regime inicial semiaberto.

A juíza Fernanda Helena Benevides Dias, da 10ª Vara do Fórum Criminal de São Paulo, não fixou a verba indenizatória com a justificativa de que, “tratando-se de danos materiais, o Ministério Público deixou de indicar valor exato para indenização”. Porém, na dosimetria das penas, ela apontou circunstâncias judiciais “bastante desfavoráveis, eis que o golpe acarretou grande prejuízo da ordem de R$ 1,4 milhão”.

Relator das apelações, o desembargador Renato Genzani Filho acolheu os argumentos da advogada das vítimas. Ela sustentou que a fixação de indenização em sentença penal condenatória, para fins de reparar o dano causado pelo crime, não exige a menção de valor na denúncia. Conforme o magistrado, para se impor a verba indenizatória na sentença, basta pedi-la na inicial, desde que a quantia seja depois aferida e comprovada na ação.

A advogada Luiza Nagib Eluf, que representa as vítimas, interpôs o recurso na qualidade de assistente da acusação. Segundo o relator, a insurgência dela procede, “sendo o caso de se fixar o valor indenizatório no montante de R$ 1,4 milhão, pois correspondente ao prejuízo material comprovadamente suportado pelas vítimas”. A desembargadora Carla Rahal e o desembargador Guilherme Strenger seguiram o voto de Genzani.

Para o colegiado, apesar de o MP não expressar em valores o montante requerido, ele fez referência ao efetivo prejuízo suportado pelas vítimas, “bem demonstrado pelos documentos constantes dos autos e confirmado pela prova oral produzida em juízo”. Desse modo, a quantia foi submetida ao contraditório e à ampla defesa, superando os requisitos legais e jurisprudenciais exigidos para o arbitramento da indenização.

Desfalque financeiro

Em relação ao golpe em si, ao negar provimento aos recursos defensivos, a 11ª Câmara de Direito Criminal destacou que inexiste controvérsia quanto ao desfalque financeiro imposto às vítimas, sendo a conduta de cada réu individualizada. “A manutenção da responsabilização de todos os acusados é medida de rigor. E, irretocável até aqui a sentença, tampouco as penas comportam qualquer ajuste.”

“O crime ora em apreço muito extrapolou o ordinário para casos da espécie, merecendo deste modo sancionamento mais severo que ordinariamente se aplica”, afirmou o relator. Assim sendo, ele considerou adequada para o caso a pena de três anos de reclusão, por ficar em um patamar intermediário. O artigo 171 do Código Penal (CP) pune o estelionato com um a cinco anos.

O relator apontou o regime semiaberto e a não substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito como acertos da sentença. Segundo ele, a sanção condiz com os “agudos prejuízos que suportaram as vítimas, que experimentaram a angústia de perderem as economias de suas vidas no elevado montante de R$ 1,4 milhão, além de também amargarem consequências para a sua saúde e relações com familiares”.

Além da pena de três anos de reclusão, cada réu foi condenado ao pagamento de 30 dias-multa, também mantido pelo colegiado por estar lastreado em dados do processo. Em relação a um dos acusados, devido à falta de informações precisas sobre a sua condição financeira, cada dia-multa foi fixado no mínimo legal (um trigésimo do salário mínimo da época do crime, em 2017), o que perfaz o total de R$ 937, já calculada a quantidade de diárias.

Por expressarem possuir valioso patrimônio, de cerca de R$ 17 milhões, os demais réus, que são casados, tiveram cada dia-multa estabelecido em três salários mínimos, totalizando a sanção em R$ 843,3 mil. A pena de multa é revertida ao fundo penitenciário e tem como parâmetro o salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, conforme o artigo 49, caput e parágrafo 1º, do CP.

Pacote de ilusão

Com o sonho de se mudar para a Áustria e lá expor os quadros pintados pelo artista plástico, o casal lesado fez entre os meses de julho e outubro de 2017, em São Paulo, quatro aportes financeiros para os réus depositarem em conta que eles prometeram abrir em nome das vítimas naquele país europeu. A primeira parcela entregue foi de R$ 800 mil, sendo as outras três de R$ 200 mil cada.

Os dois homens acusados eram sócios da empresa que à época dos fatos prestou a pretensa assessoria às vítimas na suposta operação financeira. A mulher de um deles, por sua vez, teve sua atuação voltada a convencer o artista plástico e a mulher dele de que o negócio feito era seguro e vantajoso, porque os investimentos na Áustria poderiam lhes render juros de aproximadamente 30% a cada seis meses.

De acordo com a juíza Fernanda Dias, a ré teve “papel essencial” na fraude para ludibriar as vítimas. Além disso, essa acusada foi a responsável por fazer o artista plástico acreditar que poderia expor as suas telas em uma galeria de artes que ela inauguraria em Viena, capital austríaca, “de modo que as vítimas foram ao país europeu e levaram diversas obras de arte para uma exposição que nunca ocorreu”.

A ação penal foi ajuizada em 2019, mas o casal réu, residente em Santos (SP), demorou quase três anos para ser citado. A sua antiga defesa indicou nos autos endereços na Eslovênia e na Áustria, retardando o regular andamento do processo. Após a citação, as vítimas chegaram a ter a real expectativa de serem ressarcidas, porém, tudo não passou de novo engodo orquestrado pelo casal denunciado.

Esses dois réus aceitaram o acordo de não persecução penal (ANPP) proposto pelo MP. O juízo homologou o ajuste, que tem na confissão do crime um dos seus pressupostos e na reparação integral do dano uma de suas condições, conforme dispõe o artigo 28-A do CPP. Contudo, sem que os acusados cumprissem o combinado no prazo, houve a rescisão do ANPP, sendo a ação retomada.

Do valor que os acusados se comprometeram a devolver, nada chegou a ser depositado na conta bancária indicada pelo artista plástico. Segundo o MP, a vida das vítimas foi “devastada” porque perderam tudo o que pouparam e tornaram-se inadimplentes. Para piorar, o artista sofreu um acidente vascular cerebral devido ao estresse causado pela fraude e ficou impossibilitado de pintar, tornando-se totalmente dependente da mulher.

Processo 1514465-23.2019.8.26.0050

Eduardo Velozo Fuccia

é jornalista.

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