O presente artigo tem por finalidade abordar a dissolução irregular da sociedade no âmbito do Procedimento de Reconhecimento de Responsabilidade Tributária (Parr) criado [1] pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN).
Tal procedimento administrativo vem sendo instaurado prévia ou incidentalmente à execução fiscal, por meio do qual a PGFN objetiva responsabilizar os administradores pela dissolução irregular da empresa.
Nota-se, a partir de nossa experiência, que são tomados os seguintes fatores para qualificar o encerramento da empresa de irregular, a ausência de: faturamento, movimentação financeira, cumprimento de deveres instrumentais, pagamento de tributos correntes, de retenção na fonte dos tributos devidos em por terceiros e emissão de notas fiscais eletrônicas de saída.
Como é cediço, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a dissolução irregular da sociedade é hipótese de infração à lei ao interpretar o artigo 135, III do Código Tributário Nacional (CTN). Nesse cenário, a não localização da empresa no endereço constante no contrato social e nos cadastros fiscais, tais como CNPJ, inscrição estadual, inscrição municipal e alvará, autoriza o redirecionamento da execução fiscal em desfavor do administrador da empresa. Por sua vez, o entendimento do STJ admite que se trata de uma presunção relativa a ser ilidida por prova em contrário, como por exemplo, comprovação do endereço correto da empresa.
Bem, diante da falta de regular procedimento de apuração da responsabilidade tributária do sócio, em boa hora a PGFN regulamentou o Parr por meio da Portaria PGFN nº 948/2017, posteriormente alterada pela Portaria PGFN nº 1.160/2024.

Em que pese ser importante instrumento processual concretizador do princípio da ampla defesa e do contraditório, desditosamente, verifica-se que a Portaria amplia as hipóteses de dissolução irregular com a inclusão de condutas não previstas na legislação, como é o caso de ausência de movimentação financeira como conduta caracterizadora da dissolução irregular.
Via Parr, o administrador terá contra si imputada a condição de responsável tributário, mas, conforme explica Rodrigo Dalla Pria, esse procedimento não pode ser equiparado ao ato de lançamento, verbis:
Não é juridicamente possível atribuir ao ato de imputação de responsabilidade tributária realizada via Parr o status de verdadeiro lançamento tributário, que, em caráter revisional, teria o condão de incluir o responsável tributário no polo passivo da obrigação tributária principal, e isso em razão de: (i) não haver previsão legal para tal expediente; (ii) ser competência exclusiva da Receita Federal do Brasil fiscalizar e instaurar procedimentos fiscais tendentes à formalização da obrigação tributária. [2]
Ao que parece o objetivo da PGFN ao criar o Parr foi instituir, em ambiente administrativo, instrumento processual equiparado ao incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ), previsto nos artigos 133 a 137 do Código de Processo Civil.
No entanto, não concordamos com essa projeção, já que o IDPJ é uma técnica de intervenção de terceiro. Estamos com as lições de Rodrigo Dalla Pria [3]:
O IDPJ tem como objetivo precípuo garantir àquele sujeito (pessoa física ou jurídica), cujo patrimônio esteja sob ameaça de constrição/expropriação em razão de débito de terceiro (pessoa jurídica), o direito de ver instaurado o procedimento incidental especificamente destinado a averiguar, mediante pleno regime contraditório, a procedência da responsabilidade patrimonial que lhe é imputada.
O Parr é um procedimento administrativo instaurado e decidido pelos procuradores da Fazenda Nacional não podendo ser equiparado a um incidente processual, onde todos os meios de prova são assegurados ao terceiro que se pretende incluir no polo passivo da relação jurídico processual executiva. Mas, não só, porque sequer pode ser identificado um processo prévio à instauração do Parr, ele é o próprio meio processual.
Reconhecida a responsabilidade do administrador no Parr, poderá ele ser integrado à execução fiscal na condição de executado, na forma do artigo 4º, V da Lei Federal 6.830/1980 [4] e somente com a oposição de embargos à execução e o oferecimento de garantia do valor integral da dívida poderá se defender. Isso porque, lembrem-se, o STJ no Recurso Especial 1.110.925/SP julgado pela sistemática de recursos repetitivos firmou entendimento inviabilizando a apresentação da exceção de pré-executividade em execução fiscal pelo sócio que figura na certidão da dívida ativa.
Essa situação acaba por tolher o exercício do direito de defesa do sócio responsabilizado, uma vez que pressupõe o oferecimento de garantia, especialmente se considerarmos os valores eventualmente envolvidos na ação de cobrança originada contra a pessoa jurídica.
Desta forma, pensamos, que o Parr demanda aprimoramento e adequação de seu rito às regras constitucionais do devido processo legal, a fim de que, ao final e ao cabo, o princípio da inafastabilidade da jurisdição insculpido no artigo 5º, XXXV da Constituição não seja apenas tinta no papel.
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[1] Portaria PGFN nº 948/2017
[2] PRIA, Rodrigo Dalla. In: Direito processual tributário. 1ª edição. São Paulo: Noeses, 2020, p. 466.
[3] PRIA, Rodrigo Dalla. In: Inovações na cobrança do crédito tributário. 1ª edição. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 293. (citação errada, fora do padrão ABNT, inserir o título do artigo e corrigir. Veja a correção que fiz já na revisão)
[4] Art. 4º – A execução fiscal poderá ser promovida contra:
V – o responsável, nos termos da lei, por dívidas, tributárias ou não, de pessoas físicas ou pessoas jurídicas de direito privado;
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