A consulta, mecanismo disponível ao particular para definir o sentido da norma e, consequentemente, orientar a conduta, é, por isso, de singular importância na relação tributária. Nesse desiderato é meio valioso da esperada cooperação pela qual deve pautar o diálogo entre o Fisco e o contribuinte.
No contexto do processo tributário, essa relevância da consulta fiscal é confirmada por compor um dos projetos de lei (PL) apresentados pela Comissão de Juristas presidida pela ministra Regina Helena Costa, especificamente o PL nº 2484/2022, que foi responsável pela elaboração de proposições legislativas com o objetivo de dinamizar, uniformizar e modernizar o processo administrativo e judicial tributário.
O presente artigo objetiva analisar os contornos e as premissas que legitimam a consulta fiscal, como ferramenta de cooperação entre o particular e a administração pública, bem como seus reflexos no âmbito processual, especialmente no que diz respeito à potencial interrupção do prazo prescricional quando de sua apresentação pelo contribuinte.
Bem, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em julgamento realizado em 19 de agosto de 2025 (Recurso Especial 2.032.281/CE), por unanimidade, definiu que a consulta fiscal, formulada pelo contribuinte, não tem o condão de interromper o prazo prescricional. São as seguintes as palavras do relator:
“A circunstância de haver formulado prévia consulta não suspende ou interrompe o prazo prescricional, ainda que ocorra eventual demora da autoridade tributária na apresentação da resposta (…).”
No caso, o contribuinte, optou, antes do efetivo ingresso de medida judicial, por realizar consulta à Receita Federal, em 16/6/2014, relativamente à (im)possibilidade de exclusão do ICMS-ST da base de cálculo do PIS e da Cofins, recolhido na qualidade de substituto tributário, imposto esse não destacado nas notas fiscais de venda.
A solução à consulta foi proferida apenas em 2017, ou seja, três anos depois de sua apresentação, reconhecendo o direito do contribuinte de não inclusão o ICMS-ST na base de cálculo das referidas contribuições.
Entretanto, consignou, que os créditos acumulados só poderiam ser aproveitados a partir de 16/2/2012, ou seja, limitando o aproveitamento aos cinco anos anteriores à decisão da consulta, o que ensejou a provocação da tutela jurisdicional pelo contribuinte a fim de afastar essa restrição para permitir a utilização do crédito relativamente ao período de trâmite da consulta.

Sustentou o contribuinte, assim, que durante os três anos em que a consulta ficou pendente de decisão, o prazo prescricional restou interrompido, de maneira que objetivou o reconhecimento do direito ao crédito desde os cinco anos anteriores ao protocolo da consulta, portanto, a partir de 2009.
Primazia do CTN
Em seu voto, o relator, ministro Gurgel de Faria, afirmou que o rol que prevê a interrupção da fluência do prazo de prescrição é matéria atinente à lei complementar, nos termos do que dispõe artigo 146, III, “b” da Constituição da República, considerando que o Código Tributário Nacional, ao tratar das hipóteses de interrupção da fluência do prazo de prescrição (artigo 174, parágrafo único), nada dispõe a respeito do processo de consulta, descabido, a partir de provimento jurisdicional, alargar o campo de incidência do dispositivo, sob pena de extrapolar a competência constitucionalmente resguardada. Ainda destacou o ministro, que não seria aplicável disposição do Decreto Federal 20.910/1932 (artigo 4º [1]), por seu conteúdo não poder se sobrepor a Lei Complementar.
Destaca-se os seguintes trechos do voto:
“Dispõe o art. 146, III, ‘b’, da Constituição Federal, que cabe à lei complementar dispor sobre obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários.
(…)
Nesse contexto, em se tratando de prazo prescricional em matéria tributária, aplica-se o Código Tributário Nacional (CTN), recepcionado, no ponto, como lei complementar, por força do texto constitucional, afastando-se, assim, outros diplomas legais, em especial as disposições contidas no Decreto n. 20.910/1932.
(…)
A circunstância de haver formulado prévia consulta não suspende ou interrompe o prazo prescricional, ainda que ocorra eventual demora da autoridade tributária na apresentação da resposta, devendo ser lembrado que, nos tributos sujeitos a lançamento por homologação, compete ao contribuinte apurar o montante devido e proceder ao pagamento da exação, de acordo com a legislação de regência.”
Segundo o acórdão, a consulta, em verdade, afasta, tão somente, a incidência de juros de mora sobre o valor do crédito tributário não pago, à luz do artigo 161 do Código Tributário Nacional.
Desta feita, considerado o Código Tributário Nacional como norma geral em matéria de Direito Tributário, somente ele é o veículo introdutor apto a tratar de prescrição, de modo que as normas hierarquicamente inferior não podem contrapor ou, até mesmo, alargar o campo de incidência.
Parece-nos que o efeito imediato do posicionamento adotado implicará uma busca pelo Poder Judiciário contrariando o pilar da desjudicialização insculpindo a partir da vigência do Código de Processo Civil de 2015, opondo-se, também, ao que se vem fomentando há alguns anos no que se refere ao diálogo e ao espírito de cooperação entre o particular e a administração pública.
A bem da verdade, embora haja uma força-tarefa, cujo objetivo é instigar o diálogo prévio entre a sociedade e os agentes públicos, e a consulta se apresenta como uma importante ferramenta para alcançar esse fim, essa decisão anuncia um alerta, considerando que a sua escolha (em detrimento de ingresso imediato ao Judiciário) pode aniquilar com parte do direito vindicado pelo contribuinte.
Não se olvide que a morosidade na resposta à consulta por inércia da própria administração pública não pode prejudicar direito, como no caso, reconhecido ao contribuinte. É dizer, em outras palavras, que o contribuinte não pode ser prejudicado pela inércia e lentidão na expedição de atos administrativos.
De fato, o Código Tributário Nacional é silente quanto ao impacto do tempo em pleitos do contribuinte em ambiente administrativo, como destacado no acórdão, entretanto, nos ventos advindos com a Reforma, nesse contexto de melhoramento do Sistema Tributário Nacional, parece-nos que resguardar o direito creditório do contribuinte, em sua integralidade temporal, alinha-se com esses valores postos no ordenamento jurídico, que nada mais pretendem do que materializar a justiça fiscal.
[1] Art. 4º. Não corre a prescrição durante a demora que, no estudo, ao reconhecimento ou no pagamento da dívida, considerada líquida, tiverem as repartições ou funcionários encarregados de estudar e apurá-la.
Parágrafo único. A suspensão da prescrição, neste caso, verificar-se-á pela entrada do requerimento do titular do direito ou do credor nos livros ou protocolos das repartições públicas, com designação do dia, mês e ano.
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