O último endereço de Eça de Queiroz, de Miguel Sanches Neto, é um livro surpreendente. O leitor apressadamente avalia pelo título que tem pela frente um romance histórico, e que de algum modo passará por Portugal, ou pela Inglaterra ou pela França, ao longo do fim da vida de José Maria Eça de Queiroz. Acertou. Mas também errou. E é nessa ambiguidade de acerto e erro que se justifica a leitura desse ousado livro.

O livro conta a viagem de um jovem do interior do estado do Paraná que seguiu para Portugal financiado por uma bolsa de estudos. Pretendia estudar e escrever um romance. Tem-se a impressão de que trabalha em uma livraria. Despede-se de uma prostituta (que tinha como amiga) e vai para Lisboa. O desate da relação é surpreendente; e não conto aqui, de jeito nenhum.
A viagem de ida é um relato fidedigno do que encontramos: brasileiros enfadados do Brasil, reclamando da falta de ordem, limpeza e segurança. É um mito do eterno retorno, que parece temos vivido desde o retorno de Caminha com a famosa carta, em forma de nossa certidão de nascimento.
As personagens do livro são muito reais, a começar por uma catalã, que empolga o leitor. O narrador hospeda-se em uma casa na qual teria vivido José Saramago, com uma mulher que o escritor português teria abandonado, quando a fama fez do jornalista um escritor internacionalmente reconhecido.
O narrador vai atrás dessa misteriosa mulher, então já anciã. Encontra-a em Cascais, perto de Lisboa. Surge então um alfarrabista que lhe vende um livro, que trata dessa mulher, e que tempera o enredo com algum mistério. Nesse núcleo do livro o autor revela um profundo conhecimento da literatura portuguesa. E também comprova que conhece Lisboa. Autores portugueses dão o pano de fundo da narrativa. É um romance cheio de metalinguagens.
O narrador segue para Braga, a cidade portuguesa mais romana que pode haver. Descobre o centro histórico desse fascinante lugar; bem como sua antiquíssima Sé. Há nesse passo uma grotesca passagem, que faz o leitor duvidar da sinceridade do narrador. Há nesse ponto uma provocação que vale o livro, e que o faz um pequeno grande livro.
O desfecho aproxima narrador e leitor de uma das obras primas de Eça de Queiroz: “As cidades e as serras”. O narrador (Rodrigo é seu nome), chega à Quinta de Tormes”, exatamente onde Eça imaginara Jacinto ao chegar de Paris. Quem leu Eça lembra aqui do proverbial jantar: canja (com moela e fígado), arroz com favas e frango dourado assado no espeto. E muito vinho. Talvez a refeição mais famosa da história da literatura portuguesa.
O narrador e Eça se misturam no fim da narrativa. O livro tem muita informação, tudo temperado por um relato de viagem que é delicioso. E se todo livro consistente exige um ponto de partida e um ponto de chegada, o autor fundiu essas duas referências, saída e chegada, em um universo narrativo que mesmeriza quem gostamos de livros. O autor é Reitor da Universidade Estadual de Ponta Grossa.
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