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ESTÍMULO À REFLEXÃO

Estudos interdisciplinares ajudam magistrados a compreender dilemas, diz diretor da Emerj

12 de julho de 2025, 09h51

Por meio de estudos e eventos críticos e interdisciplinares, magistrados e demais profissionais do Direito podem compreender os dilemas humanos que permeiam os processos judiciais. “O Direito, acima de tudo, é uma ciência social e assim deve ser compreendido”, afirma Cláudio Luís Braga dell’Orto, diretor-geral da Escola de Magistratura do Rio de Janeiro (Emerj).

Spacca

O desembargador Cláudio Luís Braga dell’Orto

O desembargador do Tribunal de Justiça fluminense diz que a formação do magistrado do século 21 envolve o domínio de ferramentas tecnológicas, que podem aumentar a eficiência das cortes.

Em sua gestão, Cláudio dell’Orto já criou cursos de pós-graduação e um centro de pesquisas jurídicas. Ainda quer desenvolver uma governança socioambiental com ênfase no uso de instrumentos tecnológicos para facilitar o processo ensino-aprendizagem.

Em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico, o diretor-geral da Emerj também afirmou que a grade curricular dos cursos de Direito está defasada e defendeu a regulamentação das redes sociais.

Leia a seguir a entrevista:

ConJur — Por que o senhor quis assumir a Emerj?
Cláudio dell’OrtoSou professor há 37 anos e há mais de 30 anos leciono, ininterruptamente, na Emerj. Acredito na formação e no aperfeiçoamento constante da magistratura como instrumentos democráticos de melhoria da atividade jurisdicional do Estado.

Com esse enfoque, coloquei-me à disposição dos colegas desembargadores do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, aos quais agradeço a confiança e reitero o compromisso de envidar todos os esforços para a contínua melhoria dos nossos serviços.

A Emerj é o resultado do trabalho de muitas pessoas, magistrados e servidores, todos empenhados em oferecer serviços de excepcional qualidade. A todos agradeço a indispensável colaboração.

ConJur Quais são os seus objetivos no comando da Emerj?
Cláudio dell’OrtoNosso objetivo primordial é desenvolver uma governança socioambiental, no escopo ESG, com ênfase no uso de instrumentos tecnológicos para facilitar o processo ensino-aprendizagem.

O ancoramento do conhecimento com o uso de métodos pedagógicos modernos e atrativos é essencial para o êxito do nosso principal curso que é a pós-graduação em Direito Público e Privado, com mais de 1.300 horas-aula, com o objetivo principal de habilitar nossos alunos para o êxito em concursos públicos na área jurídica. O resultado dessa metodologia está comprovado pela aprovação no Exame Nacional da Magistratura (Enam) e outros concursos.

Implantamos o Laboratório de Inovação, Pesquisas e Parcerias Institucionais (Lippi), que atua no desenvolvimento de pesquisas para o uso de novas tecnologias na solução de problemas jurídicos complexos. Através do Observatório Bryant Garth, o Lippi desenvolverá várias pesquisas sobre temas jurídicos relevantes.

Criamos o programa Emerj Pontua, que oferece incentivos aos alunos do curso de pós-graduação em Direito Público e Privado que participam de outras atividades da escola. Também estamos oferecendo aulas de reforço, sobre temas específicos e à distância, através do programa Emerj Mais.

Por meio de parcerias institucionais, por exemplo, com o Conselho Nacional de Justiça e a Educafro, cumprimos nossa missão social, oferecendo cursos gratuitos de português e inglês jurídicos, preparatórios para concursos e concedendo bolsas de estudos.

ConJur A Emerj tem promovido diversos eventos com temas que transcendem o Direito, muitas vezes com debatedores de diversas áreas. Como esses conhecimentos podem ajudar magistrados e profissionais do Direito em geral?
Cláudio dell’OrtoPor intermédio dos variados Fóruns Permanentes, a Emerj oferece à sociedade uma análise crítica transdisciplinar, congregando pensadores de muitas áreas do conhecimento humano.

Essa atuação, capitaneada por magistrados empenhados na qualificação contínua e na difusão do conhecimento, possibilita a troca contínua de experiências. Os magistrados e profissionais do Direito podem absorver em várias fontes as reflexões essenciais para a compreensão dos dilemas humanos que habitam os autos dos processos que precisam ser julgados. O Direito, acima de tudo, é uma ciência social e assim deve ser compreendido.

ConJur Como deve ser a formação de um magistrado do século 21?
Cláudio dell’OrtoO momento de disrupção que vivemos nos obriga a compreender que as novas tecnologias são irreversíveis. A racionalidade digital assume um papel relevante que afetará todas as atividades humanas. Muitas funções serão substituídas por outras que surgem no novo modelo social e econômico.

O uso de ferramentas alicerçadas na inteligência artificial precisa ser objeto do denominado letramento digital. Estamos disponibilizando cursos sobre engenharia de prompt e outras questões de inteligência artificial, treinamento para uso do Assis, que é uma ferramenta de inteligência artificial desenvolvida pelo TJ-RJ para, nos termos da Resolução 615 do CNJ, auxiliar a análise de processos e para o uso eficiente do processo judicial eletrônico.

ConJur Como o senhor avalia o curso de formação de juízes? Pretende mudar alguma coisa nele?
Cláudio dell’OrtoA formação e o aperfeiçoamento dos magistrados seguem as diretrizes fixadas pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), vinculada ao Superior Tribunal de Justiça. A Enfam é responsável pela implantação de um sistema nacional para a permanente qualificação da magistratura brasileira, que considero uma das melhores do mundo, por força da sua constante renovação por meio de concursos públicos qualificados.

No âmbito do aperfeiçoamento, realizamos periodicamente pesquisas com os magistrados para que indiquem os assuntos que despertam maior interesse. A partir do resultado das pesquisas formatamos os cursos de aperfeiçoamento e submetemos à análise da Enfam. Atualmente, há um interesse maior pelos cursos a distância com o uso das plataformas que permitem uma difusão maior do processo de aperfeiçoamento da magistratura estadual.

ConJur Há alguns cursos obrigatórios para os juízes progredirem na carreira. O senhor pretende mudar algo nesses cursos?
Cláudio dell’OrtoPara a aferição do merecimento dos juízes para remoção, promoção e para a titularidade em certas competências, há norma do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro exigindo que sejam cumpridas horas de aperfeiçoamento ou a frequência e aproveitamento em cursos especiais. Por exemplo, para os Núcleos da Justiça 4.0, com atuação em temas específicos e totalmente virtual, o juiz deverá ter concluído uma formação específica. Também oferecemos cursos específicos na área empresarial, de juizados especiais, de turmas recursais e outras.

ConJur Como o senhor avalia a grade curricular dos cursos de graduação em Direito?
Cláudio dell’OrtoHá um certo anacronismo na grade curricular; disciplinas que envolvam o Direito Digital, uso de novas tecnologias e formação em processo eletrônico precisam ser incluídas.

ConJur Como a polarização da sociedade afeta o debate de ideias?
Cláudio dell’OrtoA polarização estimula o debate jurídico e obriga que sejam construídas ferramentas para sua moderação. A responsabilidade no uso das redes sociais e a desinformação se transformaram em processos judiciais. Portanto, a magistratura terá que conhecer as ferramentas digitais, o funcionamento dos algoritmos, a “tokenização” da vida em sociedade, a fim de prestar uma jurisdição eficiente.

ConJur Como o avanço tecnológico vem impactando o ensino jurídico?
Cláudio dell’OrtoNo âmbito do ensino jurídico, a digitalização da sociedade tem indicado o uso mais eficiente do ensino a distância. Ferramentas de inteligência artificial permitem celeridade na elaboração de textos jurídicos. No entanto, o equilíbrio entre as atividades presenciais, híbridas e a distância — síncronas e assíncronas — é fundamental. O profissional do Direito deve ser treinado também para o debate presencial de ideias. O respeito, a postura, a desenvoltura na presença de outras pessoas são essenciais para o bom desempenho das atividades do profissional do Direito. A mediação eletrônica absoluta pode gerar um isolamento social prejudicial. Todas essas questões devem ser tratadas no ensino jurídico atual.

Sérgio Rodas

é editor da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.

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