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Transparência no setor de pagamentos: o que muda com a nova versão da Recomendação 16 do Gafi

19 de novembro de 2025, 12h21

O avanço das fintechs, Pix, open finance e carteiras digitais redesenhou o sistema financeiro, ampliando fluxos, agentes e riscos. Essa evolução trouxe novas oportunidades, mas também novos riscos, exigindo uma atualização das recomendações internacionais de transparência financeira.

É nesse contexto que o Grupo de Ação Financeira (Gafi) publicou, em junho de 2025, a versão revisada da Recomendação 16, também conhecida como travel rule. que define padrões de identificação nas transferências de valores domésticas ou internacionais.

A nova redação busca reforçar a rastreabilidade de pagamentos ilícitos, reduzir custos regulatórios e estimular a interoperabilidade dos sistemas, sem comprometer inovação e inclusão. As alterações foram precedidas por duas consultas públicas, que reuniram mais de 300 contribuições de instituições, governos e organizações internacionais.

O que motivou a revisão

A Recomendação 16 foi originalmente pensada para transferências bancárias tradicionais. Com a ascensão das fintechs e novos arranjos de pagamento, suas exigências começaram a se mostrar limitadas – tanto do ponto de vista tecnológico quanto regulatório.

Três movimentos globais também influenciaram a revisão: (a) demanda por inclusão financeira, como resposta ao de-risking [1] que afastou populações vulneráveis dos sistemas formais; (b) a ascensão das fraudes, exigindo respostas mais ágeis; e (c) o fortalecimento das normas de proteção de dados, que impõem novos parâmetros à coleta e compartilhamento de informações.

Nesse contexto, a agenda do G20 e de fóruns multilaterais tem priorizado modelos de compliance que equilibrem fluidez operacional e segurança, com incentivo à padronização e interoperabilidade técnica e menos fricção regulatória — premissas refletidas na nova redação.

Principais mudanças

A nova Recomendação 16 traz alterações estruturais. A começar pela simplificação e padronização das informações de endereço e data de nascimento exigidas em pagamentos e transferências [2].

Outra mudança central é a redefinição da cadeia de pagamentos. O texto estabelece que ela se inicia com a instituição que recebe a ordem do cliente — que passa a estar sujeita às exigências da Recomendação 16. Ademais, o texto confirma que instituições intermediárias, ainda que não detenham relacionamento direto com o pagador ou recebedor, também estão sujeitas à travel rule.

O Gafi também delimitou com mais clareza as responsabilidades de cada elo: (a) instituição originária deve verificar os dados do remetente e coletar as informações obrigatórias do beneficiário; (b) a instituição intermediária deve monitorar a completude e consistência dos dados, detectando anomalias; (c) a instituição beneficiária deve verificar e preservar a integridade das informações recebidas e verificar as informações do beneficiário.

Para garantir a efetividade da delimitação de responsabilidades acima, o Gafi recomenda a uniformização do conjunto de informações exigido para todas as jurisdições. Se obedecida, essa recomendação pode gerar ganhos de eficiência no compliance regulatório e na troca de informações com autoridades, além de agilidade operacional [3].

Efeitos no mercado brasileiro: oportunidades e desafios

As recomendações do Gafi não têm força vinculante imediata, mas sua adesão é monitorada por avaliações periódicas, e o descumprimento pode acarretar consequências reputacionais e econômicas [4].

No Brasil, a revisão chega em um momento de amadurecimento regulatório e consolidação do ecossistema de pagamentos. Ainda que não haja obrigatoriedade imediata, a tendência é de internalização gradual das novas diretrizes — especialmente diante da intensificação da supervisão do Banco Central.

Empresas que operam em múltiplas jurisdições ou que estão em processo de revisão ampla dos seus programas de PLD/FTP devem se antecipar, revisando processos, contratos e sistemas.

Entre os efeitos práticos mais relevantes estão: (a) potencial impacto positivo em termos de inclusão financeira e redução da fricção com clientes; (b) maior segurança jurídica e potencial redução de custos com compliance na cadeia de pagamentos, com responsabilidades claras e divisão de tarefas; (c) exigência de investimentos em tecnologia e capacitação, especialmente por parte de players que antes estavam fora do escopo da Recomendação 16; (d) revisão de contratos e fluxos operacionais, para alinhar obrigações entre parceiros e intermediários; (e) demanda por investimentos em interoperabilidade técnica e pela adoção de soluções que permitam o compartilhamento seguro e eficiente de dados.

Apesar dos desafios, o prazo de adaptação até 2030 cria uma janela de oportunidade para desenvolvimento de soluções regulatórias e técnicas alinhadas à realidade brasileira. A nova Recomendação 16, ao adotar uma abordagem proporcional e orientada por risco, reflete o esforço de equilibrar segurança, inovação e eficiência.

Para o Brasil, o desafio será alinhar sua moderna infraestrutura de pagamentos à crescente exigência por integridade financeira. O atual contexto — marcado pelo aprimoramento da regulação do BCB em um ambiente de iniciativas inovadoras e desenvolvimento de novos mercados — oferece uma oportunidade estratégica para que empresas brasileiras se posicionem na vanguarda da transparência e da inovação financeira.

 


Referências

FATF. Financial Inclusion and Anti-Money Laundering and Terrorist Financing Measures. Disponível aqui.

FATF. FATF Updates Standards on Recommendation 16 on Payment Transparency. Disponível aqui.

FATF. International Standards on Combating Money Laundering and the Financing of Terrorism & Proliferation. Disponível aqui.

FATF/OECD – GAFILAT (2023). Anti-money laundering and counter-terrorist financing measures – Brazil. Disponível aqui.

[1] O de-risking é o fenômeno de recusa de serviços por parte de instituições financeiras em relação a clientes ou categorias de clientes para evitar risco, em vez de gerenciá-los de acordo com o risk-based approach e as Recomendações do Gafi (FATF. Financial Inclusion and Anti-Money Laundering and Terrorist Financing Measures. Disponível aqui).

[2] A nova redação da Recomendação 16 prevê que, na falta do endereço completo do originador ou do beneficiário em transações transnacionais, basta informar país e cidade de residência. Também admite que, se a data de nascimento completa do originador não estiver disponível, o ano de nascimento é suficiente.

[3] Outros ajustes relevantes incluem: (a) mecanismos de prevenção a pagamentos desviados, orientando o uso de tecnologias para identificação de erros ou fraudes de forma proativa; (b) o reforço à abordagem baseada em riscos (risk-based approach); (c) inclusão de saques via cartões e, de forma implícita, de pagamentos instantâneos (como o Pix); e (d) decisão cautelosa de não estender o escopo aos Provedores de Serviços de Ativos Virtuais (Vasps), reconhecendo os desafios ainda presentes no setor cripto.

[4] Na Avaliação Mútua de dezembro de 2023, apesar de o Gafi reconheceu que as instituições financeiras brasileiras coletam e mantêm adequadamente os dados do cliente originário e do beneficiário, considerando o País conforme a antiga Recomendação 16. Ainda assim, recomendou avançar na efetividade dessas medidas diante da evolução tecnológica e do aumento da complexidade das operações., cf. aqui.

Joyce Serra

é mestre em Direito Penal pela FDUSP, professora dos cursos de pós-graduação de Direito Penal Econômico e Compliance do FGV Law. Advogada.

Bárbara Ribeiro

é mestre em Direito Penal na Faculdade de Direito da USP, especialista em Mercado Financeiro e de Capitais pelo Insper e advogada criminal sócia do Brecht e Ribeiro Advogados.

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