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LEGADO MUSICAL

Advogado resgata gravações de Tom Jobim e Nelson Freire

31 de outubro de 2025, 07h32

Assim como a agulha percorre os sulcos de um disco de vinil pela primeira vez, causando viva impressão em quem o escuta, a ousadia e a criatividade podem abrir caminhos e construir legados surpreendentes. 

Autor da Teoria do Desvio Produtivo, o advogado Marcos Dessaune recuperou gravações de grandes pianistas brasileiros
Divulgação

Autor da Teoria do Desvio Produtivo, Marcos Dessaune recuperou gravações de grandes pianistas brasileiros

As ranhuras da vida do advogado e criador da Teoria do Desvio Produtivo Marcos Dessaune o levaram a estudar música clássica por dez anos em sua infância e juventude. Sua primeira experiência profissional foi a de representante no Brasil da icônica marca de pianos austríaca Bösendorfer, que ele comercializou por 14 anos.

Dessaune também foi empresário musical, produtor cultural e estudou negócios na Universidade de Indiana Bloomington antes de se encontrar de vez na advocacia. 

Em um certo dia de 2023 — já consolidado como advogado —, ele fixou o olhar em uma caixa esquecida no seu escritório. Ao abri-la, o passado se fez presente. Dentro dela estavam disquetes com gravações de performances de lendas do piano como Tom Jobim, Amilton Godoy (do lendário Zimbo Trio), Nelson Freire e Paul Badura-Skoda. 

Os registros foram feitos de 1991 a 1993, durante a passagem pelo Brasil de um piano de cauda inteira Bösendorfer SE, instrumento computadorizado que foi exibido em eventos como a Fenasoft-SP e a Rio-92.

Gravador de performances

O Bösendorfer SE é uma série limitada de pianos de cauda para concerto equipados com um sistema computadorizado para gravação, edição e reprodução de performances de pianistas. Algo extraordinário para a época — o projeto foi desenvolvido de 1984 a 1987. 

O sistema SE utiliza sensores ópticos instalados nas teclas, martelos e pedais, além de solenoides (“dedos” eletromecânicos) instalados sob o teclado e acoplados aos pedais. Os movimentos que o pianista faz ao tocar são captados 800 vezes por segundo pelos sensores, processados em um módulo eletrônico (chamado de “caixa preta”) e registrados digitalmente em um microcomputador PS/2 da IBM, que executa o sistema operacional MS-DOS. 

Estava só começando

Assim que abriu a caixinha com os disquetes, Dessaune se deu conta do tesouro que havia redescoberto em um canto do escritório. Acessar esses registros, contudo, não seria fácil. 

Ele teve que comprar um leitor para conferir o conteúdo dos disquetes e descobriu que três deles — cujas etiquetas indicavam conter algumas gravações históricas — estavam corrompidos. Insistente, encontrou a empresa RetroFloppy, que fazia recuperação de mídias antigas na cidade de Cary, na Carolina do Norte (Estados Unidos). 

Os profissionais americanos conseguiram recuperar dois dos três disquetes. Dessaune não desistiu do último arquivo e procurou a Bösendorfer, em busca de alguma cópia nos arquivos da empresa. Na época, as gravações no modelo computadorizado eram enviadas para a companhia.

Felizmente havia uma reprodução, mas a Bösendorfer informou não ser mais capaz de executar ou converter os arquivos.

Como, então, seria possível reproduzi-los? Dessaune teve a ideia de falar com o inventor do sistema de gravação do Bösendorfer SE, o engenheiro americano Wayne Stahnke, que já estava com 80 anos. Ele mandou uma mensagem para o único endereço eletrônico de Stahnke que encontrou. Para sua surpresa, recebeu uma resposta, e tudo se iluminou. As gravações que estavam perdidas finalmente foram convertidas para o formato MIDI. 

O último entrave era transformar isso em áudio, barreira que foi vencida com a ajuda de um velho amigo, o compositor e pianista Pedro Igel, que conseguiu converter os arquivos em áudio digital de alta qualidade.

Dessaune e Igel criaram, então, o projeto The Lost Bösendorfer Files. O primeiro álbum da empreitada reúne sete músicas gravadas ao vivo em São Paulo por Amilton Godoy, em 1991, no Clube Pinheiros, e em 1992, na Fenasoft-SP. Em plena atividade, Godoy endossou a obra, que vai ser lançada nesta sexta-feira (31/10).

Será a hora de virar o disco, do lado A, marcado pelo sonho e pelos obstáculos e dificuldades do passado, para o B, do presente, da conclusão, da realização pessoal e do amplo reconhecimento de uma contribuição inestimável à cultura brasileira.

Rafa Santos

é repórter da revista Consultor Jurídico.

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