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fatura climática

Supremo valida regras da Política Nacional de Biocombustíveis

19 de novembro de 2025, 14h54

Quem arca com os custos da Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio) são os consumidores finais, e os distribuidores de combustíveis fósseis são meros intermediários nesse processo. Embora essas empresas sofram um tratamento desigual em relação aos produtores e importadores de biocombustíveis, isso se justifica pelo impacto delas nas emissões de gases de efeito estufa (GEEs).

Bomba de abastecimento de combustível
Pedro França/Agência Senado

Partidos alegavam que distribuidores de combustíveis fósseis são discriminados

Com esse entendimento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal validou as regras do RenovaBio — política que estabelece metas anuais obrigatórias de redução das emissões de GEEs para os distribuidores de combustíveis fósseis. O julgamento virtual terminou na última sexta-feira (14/11).

Contexto

O RenovaBio foi instituído pela Lei 13.576/2017 para cumprir o Acordo de Paris, de 2015, voltado à contenção das mudanças climáticas decorrentes do uso abusivo de combustíveis fósseis. O programa busca estimular a produção e o consumo de biocombustíveis, como etanol e biodiesel.

Para isso, os produtores e importadores de biocombustíveis emitem créditos de descarbonização (CBIOs), que são títulos financeiros criados dentro do RenovaBio e controlados pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). As empresas recebem CBIOs conforme a quantidade de GEEs que elas deixam de emitir.

Já os distribuidores de combustíveis fósseis são obrigados a cumprir metas de redução de emissões. Na prática, isso só é possível a partir da compra de CBIOs, para compensar suas emissões. Ou seja, essas empresas podem se manter no mercado, mas precisam gastar com esses créditos.

A aquisição é proporcional à fatia de cada uma no mercado nacional. Caso não cumpram as metas individuais, os distribuidores de combustíveis fósseis ficam sujeitos a multas e até suspensão de suas atividades.

Ações

Essa sistemática foi contestada em duas ações diretas de inconstitucionalidade, movidas pelo Partido Renovação Democrática (PRD) e pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT).

Para ambas as legendas, o RenovaBio discrimina os distribuidores de combustíveis fósseis, que são os únicos obrigados a adquirir os CBIOs, embora sejam responsáveis por apenas 0,39% da emissão total de GEEs no processo de produção de gasolina ou óleo diesel.

Os partidos reclamaram que o programa não oferece alternativas para os distribuidores alcançarem suas metas individuais. Enquanto isso, os produtores e importadores de biocombustíveis (chamados de emissores primários) não são obrigados a emitir CBIOs na quantidade necessária e por um preço justo.

O PRD alegou que os emissores primários também ficam livres para especular e encarecer de propósito a cotação desses títulos na bolsa de valores. Ainda segundo as agremiações, o modelo viola a liberdade e a autonomia contratual dos distribuidores, a livre concorrência e a livre iniciativa.

Voto do relator

O ministro Kassio Nunes Marques, relator do caso, votou por negar os pedidos dos autores e manter as regras do RenovaBio. Todos os demais ministros o acompanharam.

Nunes Marques explicou que os custos com a compra dos CBIOs são repassados aos consumidores finais. São eles quem precisam suportar o aumento do preço da gasolina.

“O ônus da política de descarbonização foi endereçado aos usuários de veículos movidos por combustíveis fósseis”, afirmou. Os distribuidores são apenas intermediários dessa política, por causa da dinâmica do comércio de combustíveis.

Além disso, segundo o magistrado, o tratamento jurídico desigual é justificado pelo fato de que os produtores e importadores de biocombustíveis colaboram com a diminuição da presença de GEEs na atmosfera, ao contrário dos distribuidores de combustíveis fósseis.

O relator apontou que todo tratamento diferenciado imposto pelo RenovaBio tem um propósito. O aumento do preço da gasolina não ocorre exatamente em benefício dos produtores e importadores de biocombustíveis, mas para estimular que os consumidores escolham combustíveis verdes.

De acordo com o magistrado, as metas de descarbonização e os valores dos CBIOs não devem guardar proporção com a participação dos distribuidores de combustíveis fósseis no total de emissões de GEEs, pois tais créditos “não equivalem às multas ou indenizações aplicadas aos poluidores do ar”.

Ele ainda afirmou que o sistema consegue evitar especulações financeiras e preços abusivos de CBIOs. As metas não só precisam ser proporcionais à participação do distribuidor no volume total de combustíveis fósseis comercializados, como também devem corresponder à disponibilidade de biocombustíveis oferecidos pelos produtores e importadores devidamente certificados.

Os produtores e importadores de biocombustíveis não podem simplesmente reter CBIOs, a não ser que atinjam uma produtividade tão grande que atenda plenamente a demanda, com preços mais baixos do que os da gasolina. Nesse cenário, os derivados do petróleo já não seriam mais necessários e o programa teria alcançado seu objetivo.

De qualquer forma, mesmo que haja especulações ocasionais de alguns emissores primários, o ministro argumentou que elas nunca acabariam com a concorrência dos combustíveis fósseis. Afinal, os CBIOs só têm utilidade prática para os distribuidores. Sem tais empresas, não haveria mais metas e os créditos já não teriam nenhum propósito.

Por fim, o relator reforçou que o Estado pode intervir na economia de forma a relativizar a livre concorrência e impor tratamento diferenciado a agentes do mercado caso o objetivo seja o de defender o meio ambiente.

Clique aqui para ler o voto de Nunes Marques
ADI 7.596
ADI 7.617

José Higídio

é repórter da revista Consultor Jurídico.

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