Pesquisar
Criminal Player

Quando a assinatura desaparece dos documentos no processo eletrônico?

14 de novembro de 2025, 09h23

É comum a existência de dúvidas quanto aos três tipos de assinaturas, em geral, tratadas como sinônimos de modo equivocado: “assinatura digital”, “assinatura eletrônica” e até “assinatura digitalizada”. Além disso, quanto se faz o upload de documentos no ambiente dos processos eletrônicos (PJE, p. ex.), em geral, a assinatura do documento desaparece. Para abordar as questões é importante estabelecer distinções prévias quanto ao nível de validade que cada tipo de assinatura e em que contexto podem ser utilizadas.

Taxonomia das assinaturas eletrônicas no Brasil

A terminologia relacionada às assinaturas em ambiente digital exige precisão técnica e jurídica, dispondo-se de três classes principais.

A assinatura digitalizada consiste na mera reprodução imagética de assinatura manuscrita inserida em documento eletrônico. Não incorpora elementos criptográficos nem mecanismos de autenticação. A ausência de vinculação técnica entre signatário e documento resulta em vulnerabilidade à falsificação e inexistência de garantia de integridade. Logo, o valor probatório depende de elementos externos complementares.

A assinatura eletrônica constitui gênero amplo que abrange qualquer manifestação de vontade realizada por meios eletrônicos. Inclui aceites por clique, autenticação biométrica, códigos via SMS e tokens de segurança. A validade jurídica requer identificação do signatário e comprovação da integridade documental.

Spacca

Spacca

A assinatura digital representa espécie qualificada de assinatura eletrônica baseada em certificados digitais emitidos pela ICP-Brasil que utiliza criptografia assimétrica mediante par de chaves pública e privada. Assegura autenticidade, integridade e não repúdio, constituindo o padrão de maior robustez jurídica no ordenamento brasileiro.

Fundamentos normativos

A Medida Provisória nº 2.200-2, de 24 de agosto de 2001, instituiu a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), estabelecendo o padrão oficial de certificação digital e garantiu validade jurídica plena a documentos eletrônicos assinados digitalmente.

O artigo 10, §2º da MP 2.200-2/2001 declara o pluralismo tecnológico:

“O disposto nesta Medida Provisória não impede a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que aceitos pelas partes como válido.”

A disposição legitima assinaturas eletrônicas não vinculadas à ICP-Brasil desde que haja consenso entre as partes quanto à aceitação e validade.

Desenvolvimento normativo

1. Lei 14.063/2020

A lei estabeleceu 3 níveis de assinatura eletrônica na Administração Pública:

Assinatura eletrônica simples: permite identificação do signatário sem requisitos técnicos rigorosos. Exemplos incluem login com senha e aceite por clique.

Assinatura eletrônica avançada: exige métodos que vinculem tecnicamente o signatário ao documento. Utiliza biometria, tokens ou geolocalização.

Assinatura eletrônica qualificada: emprega certificado digital ICP-Brasil, conferindo o mais alto nível de garantia jurídica.

2. Decreto 10.278/2020

O decreto regulamentou padrões técnicos para digitalização de documentos públicos e privados, reconhecendo que assinaturas eletrônicas qualificadas garantem autenticidade equivalente ao documento físico original.

Aplicação prática: o caso do PJe

1. Incompatibilidade técnica com assinatura digital externa

Quando documento PDF assinado digitalmente é anexado ao PJe, o sistema não preserva o arquivo binário original, sendo relevante esclarecer o processo técnico subjacente:

Conversão para formato interno (PDF/A ou similar)
Normalização do conteúdo com remoção de camadas e objetos de assinatura
Incorporação de novo hash no banco de dados processual

Por isso que procedimento destrói as assinaturas digitais originais. A alteração do conteúdo binário invalida tecnicamente a assinatura, que somente é válida sobre o conteúdo original byte a byte, mesmo quando o conteúdo visual permanece idêntico.

2. Sistema de integridade próprio do PJe

O PJe substitui a validação por certificado externo através de mecanismo próprio:

Registro do hash do documento no banco de dados do tribunal
Autenticação mediante login com certificado digital no portal
Carimbo de tempo da juntada processual

A assinatura incorporada ao PDF torna-se desnecessária dentro do ambiente do processo eletrônico porque o arquivo visualizado no PJe constitui tecnicamente documento distinto, validado pelo sistema e não pela assinatura externa.

3. Fundamento na Resolução CNJ 185/2013

A Resolução CNJ 185/2013 exige assinatura digital dos atos processuais para garantir integridade e autenticidade. O sistema adota formatos padronizados (PDF/A) por razões técnicas de armazenamento e visualização, o que explica a remoção da assinatura digital externa após a juntada.

A assinatura relevante para o ato processual é aquela realizada no momento do protocolo no PJe, não necessariamente a do arquivo previamente assinado.

4. Soluções para preservação da assinatura

Em situações excepcionais que exijam manutenção da assinatura visível (contratos, procurações, laudos periciais), duas estratégias podem ser adotadas:

Conversão em imagem: documento convertido em PDF/A a partir de imagem impede reprocessamento pelo PJe, mantendo a assinatura visual. A validação técnica da assinatura permanece impossível no visualizador do sistema.

Anexação em arquivo compactado: alguns tribunais preservam arquivos ZIP intactos sem processar o conteúdo interno. Este método é recomendável quando se pretende validação de assinaturas digitais em eventual perícia forense.

Síntese conclusiva

O ordenamento jurídico brasileiro consolidou sistema robusto de assinaturas eletrônicas desde a MP 2.200-2/2001. O modelo equilibra segurança jurídica e inovação tecnológica, permitindo celebração de contratos, autenticação de documentos e transações sem suporte físico com validade legal plena.

A assinatura digitalizada é desprovida de valor jurídico autônomo. A assinatura eletrônica tem validade quando há aceitação das partes e comprovação técnica. A assinatura digital ICP-Brasil constitui o padrão de maior segurança e presunção legal de validade no sistema jurídico brasileiro.

Agora você já sabe por qual motivo técnico a assinatura eletrônica desaparece no PJE e como atuar se precisar mantê-la, além de saber diferenciar cada uma delas. Boa semana.

Alexandre Morais da Rosa

é juiz de Direito de 2º grau do TJ-SC (Tribunal de Justiça de Santa Catarina) e doutor em Direito e professor da Univali (Universidade do Vale do Itajaí).

Marcelo Nagy

é perito digital, diretor executivo da STWBrasil, curador e professor de pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie e diretor de Educação da Academia de Forense Digital. Especialista em cybersegurança, em prevenção e investigação de crimes digitais e em perícia judicial. Atua como consultor sobre prevenção de crimes digitais em programas da Rede Globo de Televisão. Autor do livro "Forense em assinatura eletrônica", pela Editora AFD.

Seja o primeiro a comentar.

Você precisa estar logado para enviar um comentário.

Leia também

Não há publicações relacionadas.